22.2.07

A resistência de Ofélia

Ao ler a sinopse de “O Labirinto do Fauno”, a impressão é de um filme não apenas infantil, mas bobo, do estilo “mais sem pé nem cabeça, impossível”. Ao sair do cinema, tendo enfrentado o preconceito do início, a sensação é de um ingresso mais do que bem pago. É ter presenciado um espetáculo na tela. Ou um algo a mais na fantasia de cada um.

A trama se passa em 1944, na Espanha de Francisco Franco. Perto de dar à luz, Carmen muda-se com a filha Ofélia para o local onde seu marido, um oficial do governo fascista, luta contra insurgentes. A Guerra Civil, oficialmente, terminou, mas os rebeldes não aceitam a vitória do inimigo. O ar tem cheiro de batalha, medo e ódio. Duro para a pequena Ofélia que, mesmo sem ter na mente o porquê dos conflitos, tem na pele a sensibilidade para sofrer com a solidão e a tristeza que emanam do lugar.

A mãe, grávida, não tem tempo para ninar a doce Ofélia. Seu padrasto pode não gostar – o capitão Vidal já deixou claro que, filho, para ele, significa menino. Menina nem merece um pensamento. As dores do parto iminente também incomodam Carmen. A amiga mais próxima da criança torna-se a jovem cozinheira Mercedes, irmã de um dos rebeldes. Mas ela também tem afazeres; precisa secretamente ajudar os insurgentes nas montanhas.

Ser tragada pela miséria humana de seus arredores não está nos planos de Ofélia. Planos? Terá a pequena idéia clara do que acontece, da história exata, da política internacional ou de noções de filosofia? Melhor dizer que está na alma da menina a vontade de viver em um mundo diferente.

Batendo pernas pelo jardim do casarão – que nada tem de doce lar, Ofélia descobre um labirinto. E logo surge um ser voador, que, talvez, pudesse ser um inseto gigante. Mas não para aquela criança, que reconhece no tal ser uma fada encantada, típica personagem de fábula. Aos poucos, a fada leva Ofélia para o interior do labirinto, ao encontro do habitante mais ilustre do lugar: um fauno.
Ofélia resiste à frieza e a amargura de seu presente com a mesma bravura dos rebeldes que resistem contra o fascismo.A diferença, entre eles, é a arma. Enquanto uns usam armas, outros fazem da imaginação um artefato indestrutível. Se cada um usa mesmo as armas que possui, feliz a menina, que encontrou no próprio espírito o antídoto para alguns breves, mas eternos, momentos de ternura.

Nenhum comentário: