A descoberta de que, nas terças-feiras, o cinema do shopping na Avenida Paulista, perto da Consolação, cobra apenas cinco reais para filmes nacionais, me fez, há duas semanas, dar um basta na preguiça e reinaugurar minha temporada de idas solitárias às salas de projeção.
Fui assistir a Salve Geral, do Sérgio Rezende, o tão aguardado filme sobre os Ataques do PCC em 2006. Ou os chamados "Crimes de Maio", como preferem as organizações de direitos humanos.
Como estudiosa que fui desses episódios por conta da minha monografia (já se vão dois anos de sua conclusão), presunçosamente resolvi que eu seria uma pessoa "importante" para analisar o filme - ainda que minha opinião não atinja muito além de mim mesma.
Salve Geral conta a história daqueles dias a partir do olhar de uma família de classe média decadente. Lúcia (Andréa Beltrão) é formada em Direito, mas nunca exerceu a profissão, trabalhando como professora de piano. Depois da morte do marido, junto com o filho Rafael (Lee Thalor) é obrigada a se mudar para uma área periférica de São Paulo, mais de acordo com seu novo padrão de vida.
O filho fica revoltado com a mudança, se torna rebelde, participa de um racha, se envolve em uma briga e, acidentalmente, atira contra uma moça, que morre. Ele é detido, condenado a oito anos de reclusão e vai para um presídio – bem um daqueles “simpáticos” e “convidativos” que aparecem na televisão.
Preso, Rafael descobre que uma facção (Comando da Capital - o filme não usa a sigla PCC nem o verdadeiro nome do grupo) domina o presídio e que, para os que tiverem dinheiro, a vida lá dentro não precisa ser tão difícil.
Pedindo uns trocados para a mãe, ele consegue uma cela melhor, onde pode até usar desodorante (o que soa como um luxo se compararmos com as condições das celas superlotadas).
Lúcia, com a prisão do filho, se desespera e resolve que precisa ajudá-lo. Fica amiga de Ruiva, advogada do PCC (Denise Weinberg, melhor atuação do filme), inicia um caso com um dos detentos e é justamente esse envolvimento de mãe e filho com a facção e com o crime que se desenrola o filme.

Enquanto produção, a película é apenas razoável, cenas bem feitinhas, nada mais. Em termos de narrativa, o que realmente chamou a atenção foi a forma como se aproveitou a figura de Marcos Herbas Camacho, o Marcola, sem personalizar. Em vez de usar apenas um ator representando o líder, optou-se por utilizar três personagens diferentes, cada qual pegando, para si, algumas características e frases atribuídas a Marcola.
No início, fiquei um pouco confusa, tentando descobrir quem seria o verdadeiro, mas só depois me dei conta do “truque”. Acredito que a opção foi boa e acertada, porque o personagem “pleno” seria mais interessante do que todo o resto, monopolizando a história. Disso não tenho dúvidas. Também é bom elogiar que os “bandidos” criados não me soaram estereotipados, um risco que sempre se corre e que periga deixar tudo com cara de novela/seriado mal-feito.
De forma geral e apesar dessas qualidades, eu esperava mais de Salve Geral, até por ter sido escolhido o representante brasileiro a uma das cinco vagas que concorrerão ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Aguardava que, pelo menos, pudesse provocar discussões e reações adversas como causou Tropa de Elite, do José Padilha, quando foi lançado (primeiro pelos camelôs) em 2007.
É difícil estabelecer comparações entre os dois, mas um fato é que Salve Geral, no fim das contas, não é um filme interessante. Enquanto em Tropa de Elite existe um Capitão Nascimento, um policial com atitudes e opiniões chocantes para uns, ideais para outros, o filme de Rezende não traz nada de novo: é apenas uma família de classe média amedrontada com o crime e querendo escapar de um pesadelo. Nada mais do que enfadonho. Nem a tentativa de mostrar a organização interna da facção funcionou (razão pela qual alguns podem ter bobamente qualificado a produção como pró-PCC).
Mais do que sobre aqueles dias específicos em que “São Paulo parou”, o filme usa como pano de fundo a história do PCC, o que me parece um indicativo de que seus objetivos são puramente comerciais: arrastar gente para as salas e gerar bons números nas bilheterias.
As “Mâes de Maio”, que tiveram seus filhos assassinados pela polícia em 2006, organizaram protestos contra o filme, que foi considerado desrespeitoso com a verdadeira história das mais de 400 mortes (foram 493 no total, de acordo com dados do IML, sendo que o PCC teria sido responsável apenas por 47).
É apenas uma humilde opinião, mas me parece que o filme não pode ser considerado manipulador e de conteúdo manipulado, já que todos os fatos mostrados realmente aconteceram – queima de ônibus, rebeliões, correria nas ruas etc – e em nenhum momento se afirma que todas as mortes (ou mesmo sua maioria) foram causadas pela facção.
O que se pode questionar é a falta de engajamento, na medida em que poderia ter optado por mostrar todos os episódios, da primeira até a última execução, assim como seus desdobramentos. Mas, ate aí, considero uma grande ilusão acreditar que o cinema ou qualquer outro tipo de atividade com fins puramente comerciais se preste a esse tipo de papel e de luta.
No mais, segue faltando um documentário sobre esses fatos. A lacuna continua aberta. Se algum amigo for fazer, já estou me convidando para participar. E quem sabe, agora, eu me anime a tentar publicar um artigo baseado nas minhas pesquisas com jornais da época.