16.4.09

só para os fortes


Assisti a cerca de dois terços do filme "O Prisioneiro da Grade de Ferro", feito em 2003 dentro do Carandiru. A ideia que originou o documentário foi mais ou menos a mesma que alguns colegas e eu tivemos para uma cadeira da Ufrgs: ministrar uma oficina de vídeo - no nosso caso, para menores apenados, jovens infratores ou seja qual for a expressão politicamente correta da vez.
Não conseguimos entregar a câmera para os meninos - em grande parte pela burocracia da universidade, mas oferecemos a pelo menos o microfone para que pudessem relatar o que só eles conseguem sentir.
No caso do "Prisioneiro", não sei bem como eles fizeram, qual foi a preparação, mas o fato é que o trabalho de filmagem saiu dos próprios presos. E o resultado é surpreendente.
Não é um filme para estômagos fracos. Em uma das cenas, a câmera acompanha os ratos que povoavam o presídio. E eram senhores roedores rechonchudos. Eu levantei do sofá e saí, nesse momento, confesso, porque era a barbárie da imundície.
Em outra passagem, aparece um fotógrafo - um cara que tirava fotos dos detentos vivos e, depois, mortos durante rebeliões ou outros acertos de contas. E as imagens foram mostradas, todas, dos vivos e dos mortos, sem disfarces nem vontade de atenuar qualquer choque.
Teve também um trecho sobre o caos na enfermaria. Gente com todo tipo de sequela, doença, pereba ou problema de saúde que tu fores capaz de imaginar.
Como no livro "Estação Carandiru", do Dráuzio Varela (que, aliás, aparece no documentário realizando consultas), o filme mostra uma série de personagens e histórias, pavilhão por pavilhão. Os estrangeiros que estão presos sem julgamento, os homossexuais que se prostituem em troca de merrecas, um fabricante de cachaças artesanais, outros artistas, escultores...
Ainda que todo o trabalho seja ótimo, o que realmente me deu inveja e vontade de ter feito o documentário foi a última cena que eu vi, quando já estava com um sono além do suportável.
No último dia do ano, um grupo de detentos assiste à queima de fogos de artifício que acontece todos os anos na Avenida Paulista. É como se a gente tivesse, então, o ponto de vista de quem admira tudo aquilo por trás das grades de ferro.
E eles elogiam o show pirotécnico. "Olha lá, mano, que bonito", certamente lembrando-se das suas pessoas queridas que estão do lado de fora.
Também não falta uma mostra de politização. "Olha lá, o símbolo do capitalismo", diz um deles enquanto se refere ao prédio do Banespa.
Quero muito terminar de ver. Com certeza, voltarei para contar como foi o resto. Mas a gente nem precisa ver o final de certas histórias para concluir que está absolutamente tudo errado.

Um comentário:

André Kruse disse...

Pelo o que eu me lembro os presos receberam sim algum treinamento para lidar com as cameras.

O filme é muito bom, vale muito mais a pena do que assistir o Carandiru (mas talvez não seja justo comparar um documentário com uma ficção, os dois podem muito bem se complementar)