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30.3.10

juazeiro, petrolina e uma conversa no rio

Continuo cansada da viagem a Juazeiro (Bahia) na semana passada, onde fui cobrir o Encontro Nacional da Articulação do Semiarido Brasileiro. Mas é daqueles raros cansaços que valem a pena.

A viagem apareceu de uma hora para outra e, como não conhecia o Nordeste, achei mais ideal do que nunca. Me candidatei no jornal e consegui.

O melhor de todos os dias foi mesmo a quarta-feira, dia 24, quando fui visitar a comunidade de Ferrete, em Curaçá, município vizinho a Juazeiro, que pode ser atingida pela construção das hidrelétricas de Pedra Branca e Riacho Seco, pauta que propus e foi aceita.


Pedi ao João Teles, do Movimento dos Atingidos por Barragens, para entrevistar alguns moradores da comunidade, já que eu vinha de tão longe e não poderia perder uma oportunidade como aquela. Ele concordou, avisando que bateríamos na casa de alguém durante o caminho até a margem do rio.

Era pouco antes do almoço, e a maioria das pessoas adultas estava nas lavouras próximas, trabalhando. Teria que esperar um pouco, talvez no retorno haveria alguém em casa.

Na margem do rio, daquele maravilhoso rio Sâo Francisco, havia uma senhora lavando roupas com uma enorme bacia. Cena que, na hora em que vi, me lembrou aquelas matérias de Globo Repórter em um lugar bonito e distante (dos tempos em que o programa era bom).

Tinha uma criança brincando no rio, próximo a ela, não sei se era filho ou filha, e fiquei encantada com a sinceridade daqueles gestos de quem lavava roupas e de quem nadava e brincava naquela imensidão de água.

Do outro lado, uma das mulheres que também visitava a comunidade foi lavar um pouco os pés e as mãos no rio, lembrar a época de moça em que vivia perto do São Francisco, antes de ser removida pela barragem de Sobradinho, não muito longe dali.


Era tão diferente e tão bucólico, no melhor sentido, que me distraí, pessoas tão felizes só pela presença do rio. Nem me dei conta de que a senhora que lavava roupas morava na comunidade e era justamente um dos alguéns que eu procurava.

Quando disseram que ela poderia conversar comigo, fiquei realmente emocionada. Eu estava no sertão nordestino entrevistando uma ribeirinha de verdade, aqueles personagens do Brasil que só parecem existir nas lendas. Uma realidade tão distinta. Aquilo era coisa de repórter gente grande.


Eu estava praticamente dentro do rio, mal ouvia o que ela falava por causa do barulho das pessoas e da água. E ela continuava lavando roupa. A todo o momento Dona Maria Eunice escondia o rosto, olhava para baixo e ria, morrendo de vergonha de falar com jornalista.

Agradeci a pequena entrevista, me despedi e deixei que continuasse com o trabalho – provavelmente faria ainda o almoço ou teria ainda outra tarefa.

Conversei com outro ribeirinho (esse mais cosmopolita do que eu, duas décadas vividas em Sâo Paulo) e voltei para ficar com o grupo. Quando saíamos da margem do rio, Dona Maria Eunice, discretamente, me chamou. Era um “venha cá” que parecia um “tchau”, fiquei até confusa na hora. Mas enfim entendi e fui até ela, que queria ver a foto que o Luca havia tirado enquanto lavava roupa.

Pedi ao Luca que, gentilmente, mostrou à senhora que, a essa altura, ria com a comadre ou parente do gênero que também chegava para aproveitar a água do rio. Se Dona Maria Eunice já se viu em alguma foto na vida, faz muito tempo. Como havia sol, muito sol, Luca improvisou uma toalha para bloquear a luminosidade e permitir que a imagem fosse vista com mais nitidez.

Ainda brincamos, “se não gostou, ele tira mais”. Ela gostou, claro, mas acho que gostou mais do momento, aquela gente toda estranha querendo uma foto dela.

Com um tchau nos despedimos. Ela continuou lavando roupa, e eu fui encontrar o pessoal embaixo de uma árvore. Pedi ao Luca, claro, que, pelo amor de Deus, guardasse aquelas fotos para minha matéria no jornal.

A conversa com Dona Maria Eunice rendeu algumas frases entrecortadas para a reportagem sobre o avanço das barragens na região do semiarido, mas a importância da cena foi bem maior do que isso.


Acho que nunca me senti tão jornalista em toda a minha vida ao conversar com aquela senhora, e meu próprio espanto em poder entrevistar uma pessoa lavando roupas no São Francisco me faz crer que estou no caminho certo. Que estou no caminho de quem não deixa de se surpreender e entende que a personagem é a verdadeira a protagonista de toda história.

Em tempos de jornalismo covarde e que se faz sentado, é um sopro de vida estar em cidades lindas como Juazeiro, Petrolina e Curaçá, conhecendo pessoas e não estatísticas.

A viagem valeu mais do que as duas páginas prometidas, com certeza.

28.11.08

na amazônia

Não gosto das tais auto-promoções, mas como esse blog anda às traças, aproveito para postar uma matéria que fiz "direto" de Belém para o Brasil de Fato - feliz estréia como "breve correspondente". Maneira de falar, porque não tive como escrever no Pará e redigi tudo em São Paulo. Quem me conhece há mais tempo e sabe das minhas "aspirações jornalísticas", deve imaginar o quanto tudo foi divertido para mim. Não ficou lá essas coisas, mas deu para enganar, como se diz.

A arte como luta política

Mostrar o camponês como um produtor de cultura, e não apenas como mero espectador, foi um dos objetivos da Semana de Cultura Brasileira e da Reforma Agrária, realizada de 10 a 16 de novembro no Cultural Tancredo Neves (Centur), em Belém, no Pará. O encontro, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reuniu cerca de 700 participantes de vários estados, que discutiram o acesso à cultura e a produção artística nos acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária.

Na avaliação de Maria Raimunda César, da coordenação do MST no Pará, a Semana conseguiu pautar um diálogo com a sociedade que vai além da valorização do trabalhador no campo, reconhecendo o camponês como um sujeito que também produz cultura, conhecimentos e saberes. "Não é comum ver trabalhadores e trabalhadoras sem terra ocupando o centro da cidade e discutindo cultura. É mais concebível para a sociedade a gente estar reivindicando do que reunido para socializar cultura e conhecimento. Aos poucos, vamos conseguindo romper essa trincheira que afasta os sujeitos do campo do mundo do conhecimento, todo esse preconceito".

Além da importância de divulgar a produção cultural dos camponeses, Maria Raimunda destaca a importância de realizar uma Semana de Cultura em Belém, considerada a capital da Amazônia. A região, na sua avaliação, vem sofrendo com o avanço de grupos interessados em lucrar sobre a cultura dos povos locais, transformando os costumes e as tradições em mercadoria. "É uma diferença muito sutil entre o processo de comercialização da cultura e a valorização desses sujeitos produtores de cultura. O mercado e os meios de comunicação transformam o carimbó e o lundu, nossas danças e a nossa alimentação em um grande espetáculo para inglês ver, para turista ver. E de fato você tira do modo de vida dessas pessoas, de toda essa construção cultural, as possibilidades desses sujeitos se elevarem, continuarem se construindo", explica a sem terra.

Segundo o professor de Histórida da Arte da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Alambert, que participou do evento, a arte e a cultura devem ser encaradas como luta política, pois são instrumentos necessários para vencer a ideologia inculcada pela indústria cultural durante séculos. De acordo com ele, a história já mostrou a importância da produção artística e cultural para as conquistas socialistas, como a Revolução Soviética, em 1917, e na Revolução Chinesa, de 1949. “Os grandes processos revolucionários do século XX entenderam que a luta revolucionária deve estar em todos os lugares ao mesmo tempo, inclusive no terreno das artes, da cultura e da produção simbólica”, avalia.

O professor, portanto, defende que a luta contra o latifúndio não deve estar separada da luta pelo controle da produção cultural, e alerta para a necessidade dos movimentos sociais disputarem o domínio do imaginário popular e o acesso aos bens simbólicos. Para isso, afirma, é necessário socializar os meios de produção cultural, para que sirvam aos interesses coletivos. "A arte só se produz coletivamente. O autor deve ser o produtor, e o produtor deve ser ator".

A Semana de Cultura contou com debates com militantes do MST, representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do governo do Estado do Pará e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) professores e jornalistas. Foram realizadas, ainda, oficinas sobre diversos temas, como cinema, dança, rádio, jornal impresso, customização e máscaras, entre outros, além de noites culturais, com cantores, escritores, poetas e grupos de dança e de teatro e tributos especiais ao compositor Waldemar Henrique e ao músico João do Vale.

Rompendo cercas
Uma das atrações foi o grupo Rompendo Cercas, do Assentamento Nova Conquista, de Açailândia, no Maranhão. A peça contou a história de um casal de camponeses que, procurado por sojicultores, decidiu não vender suas terras nem acreditar nas promessas de que a vida na cidade seria melhor.

A integrante do grupo Martha Denise de Oliveira Silva, de 17 anos, relata que o Rompendo Cercas surgiu na própria escola do assentamento, onde foram realizadas as primeiras apresentações, a partir da necessidade de denunciar o modelo de latifúndio e de exclusão no campo. "A gente escolheu esse nome porque está justamente rompendo cercas, passando uma cultura de resistência contra a cultura de massa. É mais um instrumento de luta", afirma.

Da escola do assentamento, eles passaram a se apresentar também em atividades do MST, inclusive em outros estados. São os 14 adolescentes do grupo que decidem o que vão encenar e quem assumirá cada papel, a partir das discussões que serão travadas em cada encontro. No histórico já são seis peças, pautando temas como o avanço dos monocultivos e do neoliberalismo e a valorização da mulher.

As aulas dificultam uma rotina de ensaio, mas isso está longe de ser o maior empecilho. A falta de recursos ainda é o que mais pesa. O Movimento Sem Terra auxilia nas viagens mas, ainda assim, não há verbas para comprar figurinos, acessórios e outros materiais. A comunidade tenta levar um Ponto de Cultura para o assentamento de Açailândia mas, enquanto isso não acontece, as soluções vêm por meio do improviso, como ocorreu em Belém. "Nessa peça eu fiz o papel do agricultor, então eu peguei a roupa do meu pai, que trabalha na roça", relata.

As atividades da Semana, segundo Martha, também auxiliarão o grupo, já que os jovens participaram de oficina de dança, máscaras, customização e música e poderão repassar o conhecimento para os demais integrantes. "Eu aprendi a dançar carimbó, que eu não sabia. A gente vai conhecendo pessoas, trocando experiências, é bom por conta disso também".

A jovem atriz, que pensa em seguir carreira no teatro, percebe que as pessoas têm gostado do trabalho do grupo, mas afirma que o mais importante é a mensagem de resistência transmitida em cada peça. "A gente não espera aplausos, a gente espera que o público possa assimilar a idéia que queremos passar".

O pai de Martha, o educador Luís Antonio Lima e Silva, que ajuda a coordenar os adolescentes, acredita que o teatro dentro das áreas da Reforma Agrária contribui para a conscientização dos trabalhadores rurais, tendo uma importância ainda maior para os jovens, que encontram, assim, uma forma de produzir cultura. "Isso ajuda a formar tantos os integrantes do grupo como os trabalhadores. É um instrumento de conscientização e de transformação da sociedade e também uma forma de se contrapor à cultura de massa, que ainda está cheia nos assentamentos por meio da televisão e do rádio", explica.

Silva lamenta a falta de incentivo para a profissionalização dos jovens nos acampamentos e assentamentos que, segundo ele, estão repletos de talentos não apenas no teatro, mas também em outras artes, como a dança e a pintura. "A gente sabe que essa cultura de resistência não recebe incentivo nenhum por parte do poder público. Então, vamos fazendo da forma que dá, com muita dificuldade. E quando a gente vê o resultado, acredita que vale a pena".

Primeira vez no cinema
A terça-feira do dia 11 de novembro entrará para a história do sem terra Manuel Pereira de Araújo que, neste dia, aos 61 anos, foi ao cinema pela primeira vez. Ele assistiu ao filme "Milton Santos: A Globalização vista do lado de cá", de Silvio Tendler, exibido durante a Semana de Cultura, que aborda a importância do intelectual para os movimentos sociais e para a conquista do poder popular.

Natural do Piauí e há mais de 20 anos no Pará, Araújo garante que a vida sofrida de trabalhador rural não permitiu muito acesso à cultura. De Belém mesmo, conhece apenas alguns pontos. "Você vê, com 61 anos nunca tinha ido ao cinema. É trabalho, trabalho, trabalho, não tem tempo para mais nada".

Sobre sua estréia como espectador no cinema, o sem terra se mostra orgulhoso com a conquista. "Foi muito bom, porque a gente fica mais bem-informado, a gente vê na tela o conhecimento. É bom pegar uma coisa na tela e passar para os que não vieram".

Além de ter participado da oficina de cinema durante a Semana, o sem terra participou ativamente de todo o encontro, inclusive da Marcha de encerramento no centro da capital paraense no domingo (16), apesar de suas dificuldades para caminhar. E garante que, sempre que pode, vai aos encontros do MST, mesmo se forem longe do acampamento Olga Benário, em Aracá, a 50 quilômetros de Belém, onde vive atualmente. Para ele, é a forma de contribuir para a mudança na sociedade. "Tem que participar das coisas, porque a gente coloca os políticos lá e não adianta, eles esquecem da gente, fazem como se nunca tivessem nos visto".

10.10.08

frase da semana

"O agronegócio é o atraso com teconologia."

(Maria Rita Kehl, psicóloga e escritora, sobre a questão agrária no Brasil, durante palestra no Sesc São Paulo)

9.10.08

preciso de uma tevê

Eu preciso de uma televisão. Estou perdendo verdadeiras preciosidades, como esse diálogo entre a Claudia Raia e o José Mayer na novela das oito - A Favorita - que defende a plantação de eucalipto no Brasil. Quando se pensava ter visto de tudo na televisão, aparece essa.

Sempre achei todo tipo de merchandising uma espécie de agressão ao telespectador, mas ainda perdoava os silenciosos (que só mostravam os produtos). As cenas artificialmente inseridas só para falar de shampoo ou sabão em pó me dão particular alergia. Agora, fazer propaganda de empresa de celulose na novela das oito é o fim da picada. O roteiro tosco, por si só, teria me chocado - história de gente abduzida, copiando descaradamente a idéia de Os Mutantes, da Record. Mas a Claudia Raia dizendo que "todo mundo precisa de papel"... Que medo.

15.1.08

apesar dos maus, os bons sobrevivem

Tenho assistido e colocado a mão em alguns materiais que me tem chamado muita atenção. Primeiro foi o Bandido da Chacrete, do Julio Ludemir, o melhor livro de jornalismo dos últimos tempos na minha vida – provavelmente o melhor. É sobre o Paulo Cesar Chaves, um dos fundadores do Comando Vermelho. Pra quem gosta de crime e submundo, histórias sobre os assaltantes de banco “clássicos” e cadeiões o livro é um achado. Ele narra, ainda, partes da vida do Zé Renato, um dos fundadores do Terceiro Comando e que termina a vida catando latinhas no Rio de Janeiro. Com o dinheiro, ele paga um almoço no bandeijão, única refeição que não obtém no albergue onde mora. Esse Julio Ludemir é gênio.

Já no sábado eu assisti à Estamira, a história da catadora do Rio de Janeiro que se diz encarregada de dizer a verdade aos homens. Gostaria de saber quem encontrou essa personagem fantástica, a Dona Estamira. No meio de um lixão, ela põe o telespectador a questionar se é maior a loucura dela em não querer fazer parte deste mundo ou se ele mesmo, que continua a viver em um universo que não tem a mínima lógica e traz tantos martírios. Acredito que o documentário se estende demais, podia ser um pouco mais curto. Mas como aula de jornalismo de verdade, é irreparável e invejável.
Nesta segunda-feira pela manhã, uma visitinha ao site do meu ex-professor Ungaretti (que, aliás, me sugeriu os títulos acima e muitos outros) me mostra a história de alguém que um dia foi Alexandre e hoje é Pati. Uma história das ruas de Porto Alegre, de um daqueles seres invisíveis que povoam a cidade com lendas, mas nunca com lembranças nítidas. O texto é curto, simples, um exemplo de deriva como o autor mesmo fala. Mas o conteúdo é suficiente pra mostrar que aquele olhar é um olhar jornalístico.

Então eu abro os jornais e vejo que, nas matérias sobre o MST, a principal fonte é a Brigada Militar. Nem uma linha sobre a vida de um campesino desdentado, que porventura tenho perdido tudo com uma safra ruim. Nem uma linha. Onde raios anda as histórias interessantes?
Digo duas coisas diante disso. Primeiro, não fiz uma faculdade toda pra ligar para um coronel da Brigada Militar e perguntar qual o efetivo deslocado (tanto faz para onde, já que ninguém está onde as coisas acontecem mesmo). Segundo, se eu fosse deputada ou presidente ou qualquer coisa assim, eu proibiria tudo que não fosse jornalisticamente verdadeiro de se dizer jornalista. Que inventassem outro nome. Mas que não misturassem tudo como se faz hoje.