A viagem apareceu de uma hora para outra e, como não conhecia o Nordeste, achei mais ideal do que nunca. Me candidatei no jornal e consegui.
O melhor de todos os dias foi mesmo a quarta-feira, dia 24, quando fui visitar a comunidade de Ferrete, em Curaçá, município vizinho a Juazeiro, que pode ser atingida pela construção das hidrelétricas de Pedra Branca e Riacho Seco, pauta que propus e foi aceita.
Pedi ao João Teles, do Movimento dos Atingidos por Barragens, para entrevistar alguns moradores da comunidade, já que eu vinha de tão longe e não poderia perder uma oportunidade como aquela. Ele concordou, avisando que bateríamos na casa de alguém durante o caminho até a margem do rio.
Era pouco antes do almoço, e a maioria das pessoas adultas estava nas lavouras próximas, trabalhando. Teria que esperar um pouco, talvez no retorno haveria alguém em casa.
Na margem do rio, daquele maravilhoso rio Sâo Francisco, havia uma senhora lavando roupas com uma enorme bacia. Cena que, na hora em que vi, me lembrou aquelas matérias de Globo Repórter em um lugar bonito e distante (dos tempos em que o programa era bom).
Tinha uma criança brincando no rio, próximo a ela, não sei se era filho ou filha, e fiquei encantada com a sinceridade daqueles gestos de quem lavava roupas e de quem nadava e brincava naquela imensidão de água.
Do outro lado, uma das mulheres que também visitava a comunidade foi lavar um pouco os pés e as mãos no rio, lembrar a época de moça em que vivia perto do São Francisco, antes de ser removida pela barragem de Sobradinho, não muito longe dali.

Era tão diferente e tão bucólico, no melhor sentido, que me distraí, pessoas tão felizes só pela presença do rio. Nem me dei conta de que a senhora que lavava roupas morava na comunidade e era justamente um dos alguéns que eu procurava.
Quando disseram que ela poderia conversar comigo, fiquei realmente emocionada. Eu estava no sertão nordestino entrevistando uma ribeirinha de verdade, aqueles personagens do Brasil que só parecem existir nas lendas. Uma realidade tão distinta. Aquilo era coisa de repórter gente grande.
Eu estava praticamente dentro do rio, mal ouvia o que ela falava por causa do barulho das pessoas e da água. E ela continuava lavando roupa. A todo o momento Dona Maria Eunice escondia o rosto, olhava para baixo e ria, morrendo de vergonha de falar com jornalista.
Agradeci a pequena entrevista, me despedi e deixei que continuasse com o trabalho – provavelmente faria ainda o almoço ou teria ainda outra tarefa.
Conversei com outro ribeirinho (esse mais cosmopolita do que eu, duas décadas vividas em Sâo Paulo) e voltei para ficar com o grupo. Quando saíamos da margem do rio, Dona Maria Eunice, discretamente, me chamou. Era um “venha cá” que parecia um “tchau”, fiquei até confusa na hora. Mas enfim entendi e fui até ela, que queria ver a foto que o Luca havia tirado enquanto lavava roupa.
Pedi ao Luca que, gentilmente, mostrou à senhora que, a essa altura, ria com a comadre ou parente do gênero que também chegava para aproveitar a água do rio. Se Dona Maria Eunice já se viu em alguma foto na vida, faz muito tempo. Como havia sol, muito sol, Luca improvisou uma toalha para bloquear a luminosidade e permitir que a imagem fosse vista com mais nitidez.
Ainda brincamos, “se não gostou, ele tira mais”. Ela gostou, claro, mas acho que gostou mais do momento, aquela gente toda estranha querendo uma foto dela.
Com um tchau nos despedimos. Ela continuou lavando roupa, e eu fui encontrar o pessoal embaixo de uma árvore. Pedi ao Luca, claro, que, pelo amor de Deus, guardasse aquelas fotos para minha matéria no jornal.
A conversa com Dona Maria Eunice rendeu algumas frases entrecortadas para a reportagem sobre o avanço das barragens na região do semiarido, mas a importância da cena foi bem maior do que isso.

Acho que nunca me senti tão jornalista em toda a minha vida ao conversar com aquela senhora, e meu próprio espanto em poder entrevistar uma pessoa lavando roupas no São Francisco me faz crer que estou no caminho certo. Que estou no caminho de quem não deixa de se surpreender e entende que a personagem é a verdadeira a protagonista de toda história.
Em tempos de jornalismo covarde e que se faz sentado, é um sopro de vida estar em cidades lindas como Juazeiro, Petrolina e Curaçá, conhecendo pessoas e não estatísticas.
A viagem valeu mais do que as duas páginas prometidas, com certeza.
5 comentários:
Pati, que bacana esse post!!!
Ei, que história é essa de "aquilo era coisa de repórter gente grande"? Guria, é tu mesmo, teu trabalho, tua batalha, os frutos do que tu tem plantado aí debaixo desses arco-íris e das manhãs cinzentas da cidade grande!
Parabéns pelo trabalho! Tomara que os anos que virão nos brindem com o jornalismo de verdade e não este de se fazer sentado.
Grande beijo!
Tu É gente grande, Pati. Uma grande jornalista. Fizeste belas fotos e um belíssimo relato. Li as reportagens e fiquei muito feliz. Tu está no teu caminho, segue o curso do rio e vambora : ) beijo grande
Ser jornalista é ter sensibilidade. Deve ter sido uma baita experiência. Grandes textos. Parabéns Pati. Abç, bj.
Pati, manda a matéria qd estiver pronta. Já tinha lido or elato no blog do unga e ficado bem curiosa.
beijo!
Brigadas pelos elogios. Fazer essa viagem foi bem importante pra mim, sempre mostra que tem um mundão aí pra gente descobrir. Depois mando sim, Paula :)
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