1.9.10

contra la militarización

Como dizia o Kiko, do Chaves, "atendendo a milhares e milhares de pedidos"... Brincadeira, óbvio. Para alguns amigos que pediram, segue a matéria que fiz da Colômbia, sobre o encontro contra militarização. Ainda quero fazer duas outras matérias para o jornal, além de colocar aqui algumas impressões e histórias que valem muito a pena ser contadas. Mas vai ser aos poucos, quando meu ouvido direito voltar a sua plenitude funcional (culpa de uma bizarra obstrução pras bandas do meu canal auditivo após a aterrissagem no Panamá). Também dá pra ler na página do Brasil de Fato, aqui.


Uma Colômbia para povos, e não para armas

Encontro com mais de 2 mil pessoas traça perfil de um país cada vez mais militarizado




Patrícia Benvenuti
enviada a San Juan de Pasto e Barrancabermeja (Colômbia)


Passava das 9h30min do dia 19 de agosto quando um grupo da Polícia de Trânsito da Colômbia, que fiscaliza as rodovias do país, parou um ônibus de camponeses e indígenas em Buga, departamento de Vale de Cauca. O coletivo saía de San Juan de Pasto, no departamento de Nariño (sul do país), com destino a Barrancabermeja, em Santander do Sul, norte da Colômbia.

Um a um, três policiais entraram no ônibus, balbuciaram algumas palavras e, logo, remexiam nas malas que estavam guardadas acima dos bancos. Um deles olhou dentro do banheiro feminino, como se procurasse algo.

Em seguida, deram pequenas batidas no teto do veículo. Não contente, um dos policiais puxou uma espécie de chave de fenda e abriu parte da lataria. “Estão à procura de armas, de drogas”, diz à reportagem um adolescente, que continua seu cochilo. “Isso que você está vendo é [Álvaro] Uribe [ex-presidente colombiano que deixou o posto no dia 7]”, diz outro passageiro no banco de trás, enquanto avista a saída dos soldados.

Esse tipo de vistoria é rotineiro na Colômbia, em seu chamado combate ao narcotráfico. Para os passageiros, porém, era mais um lembrete sobre a importância da sua viagem a Barrancabermeja.

Eles seguiam para a última etapa do Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização, realizado entre 16 e 23 de agosto na Colômbia. Articulado por mais 40 organizações, o evento reuniu mais de duas mil pessoas e promoveu missões humanitárias por várias regiões do país. O objetivo foi expor as consequências da militarização e as violações de direitos humanos causadas pelo conflito armado que existe há 40 anos no país.

A integrante da Organização Feminina Popular e do Movimento Social de Mulheres contra a Guerra e pela Paz Iolanda Bezerra Veja explica que o encontro é um marco na luta das organizações colombianas, já que foi o primeiro evento internacional para denunciar a presença estadunidense no país e os efeitos da militarização, especialmente contra as mulheres. Em 30 de outubro de 2009, os governos do então presidente Álvaro Uribe e de Barack Obama assinaram um acordo militar que permite a instalação de sete bases estadunidenses em território colombiano. “Está se militarizando a vida e o ventre das mulheres porque são os nossos filhos, as nossas crianças que estão sendo enviadas para a guerra, tanto para grupos legais como ilegais”, salienta Iolanda.

Inconstitucional
No dia 17 de agosto, porém, foi anunciada decisão da Suprema Corte colombiana, que julgou inconstitucional o acordo militar por não ter sido debatido e aprovado pelo Congresso Nacional, que deverá analisar a proposta agora. Para Iolanda, a decisão é um passo importante para bloquear a instalação das bases militares. “Isso não soluciona todos os problemas, mas dá uma legitimidade para nosso encontro, pois nos dá um espaço para seguir mobilizados”, avalia.

No entanto, o líder do Comitê de Integração do Maciço Colombiano (Cima) Robert Daza Guevara aposta que a decisão da Suprema Corte não deve ser sufi ciente para impedir a presença dos estadunidenses. Ele lembra que 80% do Congresso é governista, o que facilitará a aprovação do acordo. “Não há respaldo no Congresso para as propostas da gente [movimentos sociais]. Então a tendência é de que [o acordo] seja aprovado”, justifica Guevara.

Direito à violação
Além do estabelecimento das bases, o acordo garante imunidade aos soldados estadunidenses. Segundo as organizações sociais, já há registros de violações cometidas por esses militares que já estão no país para atividades de capacitação. Um dos crimes foi o abuso sexual de uma menina de 12 anos na base militar de Tolemaida, localizada no município de Melgar, no departamento de Cundinamarca. Há também pelo menos sete casos de mulheres que tiveram fi lhos com militares estadunidenses que estão instalados há mais tempo na costa atlântica do país. Os soldados, no entanto, se negam a reconhecer a paternidade das crianças. “Pensamos que, da enviada a San Juan de Pasto e Barrancabermeja (Colômbia)

Para ele, a instalação das bases provocará também a intensifi cação de confrontos entre forças públicas de segurança, grupos paramilitares e guerrilheiros, que tem causado, entre outros resultados, a morte e o deslocamento forçado de muitos colombianos. “As bases vão aumentar a violência, com equipamentos e ações de apoio técnico [ao Exército colombiano]”, prevê.

Interesses
Na avaliação do dirigente camponês, as bases são uma prova real do interesse estadunidense em retomar o controle sobre a América Latina, com o respaldo das autoridades colombianas. “Pensamos que há uma aliança entre a oligarquia colombiana e o governo dos Estados Unidos na qual a oligarquia colombiana se oferece como base de apoio para o controle dos movimentos sociais que estão nascendo na América Latina”, avalia.

Opinião semelhante tem o padre hondurenho Fausto Milla. Ao conhecer a situação colombiana, conta ele, foi possível identifi car uma série de semelhanças com seu país, que, em junho de 2009, sofreu um golpe de Estado que derrubou o então presidente Manuel Zelaya. “As formas de matar, em grupos, e a ostentação de força militar e de polícia para assustar as pessoas [são similares]”, explica.

De acordo com o padre, que também integra a Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado, o continente vivencia uma tentativa de um novo processo de colonização. “Vejo claramente que se está dando uma segunda conquista e colonização do continente, com consequências de saque, usurpação, violência e sofrimentos”, analisa.

Vítimas
O aumento da militarização na Colômbia também gera críticas por parte de famílias que já foram vitimadas pelo conflito armado. Para uma jovem do departamento de Nariño, que pediu para não ser identificada, o governo utiliza as maiores cidades, como Bogotá, Cali e Medellin, para mostrar a eficácia de suas políticas de segurança. No entanto, as marcas do conflito ficam escondidas no interior do país. “O governo Uribe vende uma imagem de que aqui está tudo perfeito, mas todos nós sabemos que isso é mentira”, afirma.

Em 2008, seu irmão foi assassinado, junto com outros professores, por um grupo guerrilheiro no município de La Florida. A família soube da morte por um bilhete do grupo, que afi rmava que as vítimas foram mortas por colaborar com o governo. Os corpos nunca foram encontrados.

Ameaçada pelo mesmo grupo, ela pediu proteção do Estado, que apenas recomendou que fosse embora do local. Atualmente, sua família vive em outra localidade, sem ter recebido qualquer auxílio. “Onde está o Estado então, onde está a segurança?”, questiona a jovem.

Mudanças
Para mudar o atual cenário de violência, os movimentos sociais colombianos ressaltam a necessidade de grandes transformações no país. No entanto, a transição presidencial de Álvaro Uribe para Juan Manuel Santos não parece estar entre as mudanças mais significativas, já que o novo mandatário é considerado um sucessor das políticas de Uribe. Algumas lideranças, porém, são ainda mais pessimistas. “Acho que Santos é uma continuidade do que tínhamos. Mas creio que vai ser mais sofi sticado e prudente, e assim mais eficaz contra as forças”, projeta Iolanda Bezerra Veja.

Para as organizações populares, as mudanças devem ocorrer a partir de um ponto de vista político, com o fim do conflito armado e com a garantia de melhorias para a população. Atualmente, cerca de 65% dos colombianos vivem na linha da pobreza, e o desemprego, especialmente no campo, empurra trabalhadores para atividades ligadas ao narcotráfico. “As fontes de emprego não existem na Colômbia, e os únicos empregos são o de policial, informante, trabalho em cooperativas de segurança”, explica Iolanda. Para o líder camponês Robert Daza Guevara, é imprescindível que haja um diálogo entre sociedade, governos e grupos armados, a fim de buscar alternativas para o país. “Esse diálogo tem que determinar uma nova proposta de país, em que a comunidade pobre, rural e urbana, tenha possibilidades de saúde, de educação e bons empregos”, frisa.


Transnacionais patrocinam violência
Regiões mais ricas em recursos naturais são palco de conflitos


Patrícia Benvenuti
enviada a San Juan de Pasto e Barrancabermeja (Colômbia)

Além de aumento da militarização, simbolizado agora pela instalação de sete bases militares estadunidenses em seu território, os colombianos enfrentam outra ameaça não menos agressiva: o avanço de empresas transnacionais no país.

Minas repletas de ouro, manganês e outros recursos são algumas das riquezas nacionais que têm atraído corporações de todo o mundo nos últimos dez anos. Segundo o líder do Comitê de Integração do Maciço Colombiano (Cima), Robert Daza Guevara, atualmente há pelo menos 137 transnacionais atuando no país, que recebem concessões para a exploração em todo o território.

As corporações, porém, não vieram desacompanhadas. Junto com elas, veio a intensificação dos conflitos armados no país. De acordo com o dirigente, muitas empresas agem no sentido de expulsar os trabalhadores do campo, a fim de tomar suas terras. Para isso, fazem uso até do patrocínio de grupos paramilitares. “Em Arauca [departamento], há grupos paramilitares que são financiados por empresas multinacionais petrolíferas. É onde há os mais altos índices de assassinatos e violações dos direitos humanos”, destaca.

Para Guevara, a atuação dos paramilitares em certas áreas está mais relacionada com a existência de recursos naturais do que com presença grupos guerrilheiros. O paramilitarismo, segundo ele, faz parte de um esquema articulado por várias frentes. “As corporações transnacionais, em cumplicidade com o governo, com os militares e em aliança com os paramilitares, retiram as pessoas do seu território. E as bases militares vêm a ser um apoio técnico e militar a todas essas estratégias”, enfatiza.

Como exemplo, ele cita a transnacional AngloGold Ashanty, que ganhou concessão de exploração em 26 dos 32 departamentos colombianos. Dos 13 milhões de hectares concedidos pelo Ministério de Minas e Energia, 800 mil já tem permissão de exploração. Ao recusarem vender suas terras, agricultores, indígenas e negros sofrem ameaças que se concretizam em assassinatos.

Forças Públicas
As terras onde há mais concentração com recursos, no entanto, também têm recebido forte aparato das Forças Públicas colombianas. Em uma hora de viagem entre os municípios de Sapuyes e Ricaurto, no departamento de Nariño, é possível observar cinco bases permanentes da polícia, que conta ainda com outras três ocasionais. A área, uma das mais ricas em ouro, também registra altos índices de violência.

Já em Cajamarca, departamento de Tolima, a disputa por uma grande mina de ouro é a causa de violações e massacres, muitos dos quais atribuídos ao próprio Exército colombiano.

Fomigação
A violência direta, porém, não é a única arma usada contra os camponeses. Sob pretexto de erradicar o plantio de coca, é usada a técnica da fumigação, pelo despejo aéreo de glifosato sobre as lavouras. Como a coca já adquiriu proteção ao glifosato, o prejuízo fica sobre lavouras de alimentos básicos aos agricultores, como cacau, arroz e banana.

Somente nos últimos oito anos, cerca de 4,5 milhões de trabalhadores foram expulsos do campo. Hoje, dos 45 milhões de habitantes da Colômbia, apenas 11 milhões vivem nas zonas rurais.

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