(A Casa dos Espíritos - Isabel Allende)
11.3.11
os únicos em todo o universo
“Pinçou da memória um passeio com Miguel pela costa, no outono, muito antes que o furacão dos acontecimentos virasse o mundo de pernas para o ar, na época em que as coisas ainda eram denominadas por nomes conhecidos e as palavras tinham um único significado, quando povo, liberdade e companheiro eram apenas isto, povo, liberdade e companheiro, e não se haviam ainda transformado em contra-senhas. Tentou reviver aquele momento, a terra vermelha e úmida, o intenso odor das matas de pinheiros e eucaliptos, cujo tapete de folhas secas amaciava, depois do longo e cálido verão, e onde a luz acobreada do sol se filtrava nas copas das árvores. Tentou resgatar o frio, o silêncio e a preciosa sensação de serem os donos da terra, de ter 20 anos e a vida pela frente, de se amarem tranquilos, inebriados pelo aroma do bosque e pelo amor, sem passado, sem suspeitar do futuro, com a única e incrível riqueza daquele instante presente, em que se olhavam, se ouviam, se beijavam, se exploravam, envolvidos pelo murmúrio do vento entre as árvores e pelo rumor próximo das ondas batendo nas rochas ao pé da falésia, estalando num fragor de espuma perfumada, e eles dois, abraçados dentro do mesmo poncho, como siameses na mesma pele, rindo e jurando que seria para sempre, convencidos de que eram os únicos em todo o universo a ter descoberto o amor.”
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